Apesar das manifestações públicas de repúdio por parte da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, o governo Lula “lavou as mãos” na discussão do projeto que equipara a punição para mulheres que fizerem aborto legal após a 22ª semana de gestação à pena para homicídio.
Numa votação simbólica, a posição de cada deputado não fica consignada. Mas, como o PT aderiu à votação, o resultado é que os 68 deputados de sua bancada chancelaram a posição da ala conservadora no caso, que incluiu o PL de Jair Bolsonaro.
De acordo com lideranças dos partidos de esquerda no Congresso, o objetivo dessa orientação do governo era evitar ainda mais desgastes em uma das piores semanas da administração petista, que enfrentou a devolução, por parte do Congresso, de uma medida provisória acabando com a cumulatividade do PIS/Cofins.
Havia, também, um temor da reação do público evangélico, de quem Lula gostaria de se reaproximar. O próprio autor do projeto, Sóstenes Cavalcante, chegou a afirmar à Folha de S.Paulo que a votação seria “um bom teste para o Lula provar aos evangélicos se o que ele assinou na carta era verdade ou mentira”. A fala do deputado remete ao documento assinado pelo então candidato do PT à Presidência da República nas eleições de 2022, onde ele afirmava ser contra o aborto e rechaçava banheiros unissex em escolas, além de garantir que não fecharia templos.
A postura da liderança do governo facilitou a aprovação da urgência para o projeto em apenas 24 segundos, sem qualquer debate prévio.Com isso, a cúpula lulista passou por cima da manifestação da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, que divulgou nota antes da votação na Câmara, afirmando que o “país vive uma epidemia de abuso sexual infantil”. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou em 2022 o maior número de estupros da série histórica iniciada em 2011: 74.930 vítimas, um crescimento de 8,2% em relação a 2021.
“Não podemos revitimizar mais uma vez meninas e mulheres vítimas de um dos crimes mais crueis contra as mulheres”, escreveu a ministra, que não foi ao Congresso fazer lobby na tarde de terça-feira. Antes da votação, ela tentou uma audiência com o presidente da Câmara, Arthur Lira, mas não foi recebida.